I
España es una cosa de tripa.
¿Por qué “España en el corazón”?
Por esa víscera es que vinieron
San Franco y el séquito de Santos.
España es una cosa de tripa.
El corazón es sólo una parte
de tripa que hace el español:
la que golpea o alerta o alarma.
2
España es una cosa de tripa,
de más abajo del estómago;
España está en esa cintura
que el torero ofrece al toro,
y que es de dónde sabe el andaluz
hacer subir su canto tenso,
la expresión, explosión, de todo
lo que se hace al borde del extremo.
3
De tripas hondas, las de abajo
de lo que se llama el bajo-vientre,
que ponen los hombres de pie,
y el español especialmente.
Sobre esta tripa de más abajo,
¿cómo continuar sin un palabrón?
España es cosa de esta tripa
(lo digo alto o bajo), de cojón.
4
España es cosa de cojón,
lo que el poco ibérico Neruda
no entendió, pues prefirió
el corazón, sentimental y puta.
España no teme aquella tripa;
de ésta viene el lenguaje que prefiere,
toda España (lo único es que no sé cómo
denominar el cojón de la mujer).
ESPAÑA EN EL CORAZÓN
1
A Espanha é uma coisa de tripa.
Por que "Espanha no coração"?
Por essa víscera é que vieram
São Franco e o séquito de Sãos.
A Espanha é uma coisa de tripa.
O coração é só uma parte
da tripa que faz o espanhol:
é a que bate o alerta e o alarme.
2
A Espanha é uma coisa de tripa,
do que mais abaixo do estômago;
a Espanha está nessa cintura
que o toureiro oferece ao touro,
e que é de donde o andaluz sabe
fazer subir seu cantar tenso,
a expressão, explosão, de tudo
que se faz na beira do extremo.
3
De tripas fundas, das de abaixo
do que se chama o baixo-ventre,
que põem os homens de pé,
e o espanhol especialmente.
Dessa tripa de mais abaixo,
como esse escrever sem palavrão?
A Espanha é coisa dessa tripa
(digo alto ou baixo?), de colhão.
4
A Espanha é coisa de colhão,
o que o pouco ibérico Neruda
não entendeu, pois preferiu
coração, sentimental e puta.
A Espanha não teme essa tripa;
dela é a linguagem que ela quer,
toda Espanha ( não sei é como
chamar o colhão de mulher).
João Cabral de Melo Neto, A educação pela pedra e depois (Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteita, 1997) pp. 237-238.